Som na caixa

9.4.08

um não acabar mais Wislawa Szymborska

Sou quem sou.
Um acaso inconcebível
como todos os acasos.

Outros antepassados
poderiam, afinal, ser os meus,
e então de outro ninho
sairia voando,
de debaixo de outro tronco
rastejaria, coberta de escamas.

No guarda-roupa da Natureza
há trajes de sobra:
o traje da aranha, da gaivota, do rato do campo.
Cada um assenta de imediato que nem uma luva
e usa-se obedientemente
até se gastar por completo.

Eu tampouco tive alternativa,
mas não me queixo.
Poderia ser alguém
muito menos individual.
Alguém do cardume, do formigueiro, do enxame zuninte,
uma partícula da paisagem agitada pelo vento.


Alguém muito menos feliz,
criado para dar a pele,
para a mesa festiva,
ou algo que nadasse sob a lente.

Uma àrvore presa à terra,
da qual o fogo se aproximasse.

Um mero cisco esmagado
pela marcha dos acontecimentos inconcebíveis.

Um indivíduo nascido sob a estrela ruim
que para os outros seria boa.

E o que seria se despertasse nas pessoas medo?
Ou só aversão?
Ou só piedade?

Se não tivesse nascido
na tribo certa
e todos os caminhos se me fechassem?

Até agora, a sorte
mostrou-se-me favorável.

Poderia não ter-me sido dada
a recordação dos bons instantes.

Poderia ter-me sido negada
a tendência para comparar.

Poderia até ser eu própria
mas sem o dom da admiração,
quer dizer - alguém completamente diferente.

3.4.08

sechin

Qual o papel do escritor para a sociedade?
Qualquer um, desde que não seja carbono.

poema de michael palmer

Voz: Você vê o tom púrpura que tomou o céu?
Outra voz: Eu diria malva, é quase malva.
V: Existe alguma diferença?
O.V. : Uma tem mais rosa
V: Qual?
O.V.:Qual o quê?
V.:Qual tem mais rosa?
O.V.: Eu realmente não sei.
V.: Então como você pode...
O.V.:Soa correto, para essa cor.
V.: Você vai sempre pelo som?
O.V.: Som?
V.: O som, o...
O.V.:O que isso quer dizer," ir pelo som"?
V.: Quero dizer que às vezes começa com sons- nada além. Você persegue, você...
O.V.: Sons musicais?
V.: Não. Menos articulados.
O.V.:Como os sons ao nosso redor agora?
V.: Não, como os sons ao nosso redor agora.
O.V.: Sons que não pode ouvir?
V.: Sons que não pode ouvir.
O.V.: Você escuta sons que não pode ouvir?
V.: Não.
O.V.: Não?
V.:É antes de ouvir.
O.V.: Antes de ouvir?
V.: Ouvir é atenção. Antes da atenção.
O.V.: Malva: " Púrpura delicado, violeta ou lilás".
V.: Púrpura: " Um tom de cor entre o azul e o vermelho; uma das cores usualmente chamada de violeta, lilás, malva, etc."
O.V.: O mesmo e não.
V.: O mesmo ou não.
O.V.:O mesmo como não mesmo.
V.: Não igual.
O.V.: igual não igual.
V.: A forma está completa aos 36.
O. V.: Magenta

2.4.08

um poema de Nicanor Parra

MUDANÇAS DE NOME

Aos amantes das belas letras
faço chegar meus melhores desejos
vou mudar os nomes de algumas coisas
Minha posição é esta:
o poeta não cumpre sua palavra
se não muda os nomes das coisas.
Por que razão o sol
há de seguir chamando-se sol?
Peço que se chame Micifuz
o das botas de quarenta léguas!
Meus sapatos parecem ataúdes?
Saibam que de agora em diante
os sapatos se chamam ataúdes.
Tudo bem, a noite é longa
todo poeta que tenha auto-estima
deve ter seu próprio dicionário
e ante que eu esqueça
o próprio deus deve mudar de nome
que cada quem o chame como queira:
este é um problema pessoal.



Extraído de Poemas de salón. (1954-1962)

1.4.08

Pessoas saem do meu mundo como aranhas bêbadas se segurando em teias imperceptíveis e provisórias. Tomam à força meu pescoço e o esticam para que eu veja sobre o edifício , a rua cheia de transeuntes incansáveis e não confessos.
Peço-lhes um copo de água mas estão ocupados com martelos.
O martelo afoga o prego que grita não um SOS mas uma ostra, uma lesma. Bichos do pé.
O prego não tem farpas mas a madeira sim. E esta vai entrar no seu dedo, daqui a um tempo não se sabe quando .







Nora