Som na caixa

29.7.08

e-mail para paul mccartney fabiano calixto

- ela alimenta os bem - te -vis
é fascinada pela idéia de que
o pólen, que escapa das flores, fecunda
os óvulos de outras flores, e destes,
outras flores, mais pólenes, e outras mais
outras flores e outras -
uma primavera -
ela é o silêncio de qualquer madrugada
onde se acende um incenso -
ela é sempre - o máximo
é o mínimo dessa garota -

(a casa de abelhas longe/ as flores dos favos/
dezessete anos, para ser mais preciso/ o sonho/
o rosto aberto a sorrisos/ a tarde tecida na rede/
lâminas de ouro rubro/ júbilo e brisa fresca/
um delicado buquê canoro a jurar jades a Jude)

as canções
de que são feitas?
da mesma erupção de
azuis de que são feitos
os oceanos? ou
do mesmo tecido que
veste vôos de borboletas? seriam,
ainda, feitas de dias
a comer pães e queijos com quem
escolheste para, dia após dia,
comer pães e queijos?
da coleção de fuzilamentos
de mulheres
como Anna Akhmátova?

(não há (nem precisa de)

uma canção pode ser algo como o vôo
de uma gaivota sobre uma rocha marítima
ou como a alma de alguém que olha o fim de tarde
numa cidade destruída
pela guerra
ESCAPEI DA SORTE

uma poesia de Adília

Preciso que
me reconheçam
que me digam olá
e bom dia
mais do que espelhos
preciso dos outros
para saber
que eu sou eu

é só depois Duda Machado

é só depois
do que foi
um porque
foi como
foi

é só depois
de como não foi
um porque
foi que não
foi

é só depois
e ainda assim
quando há
porque e
depois

variações sobre aforismos zen Haroldo de Campos

1.
se a mente é clara
o quarto escuro
tem um céu azul:
se a mente é escura
o quarto claro
escurece de sol

2.
o olho vê a mão
e não se vê
o tacto é o olho
da mão
o olho táctil
a mão vidente

o tactolhar
da mão-olho
tactilvê-
-se

28.7.08

bom, tendo-se em conta as pérolas que tenho ouvido de diversos amigos e juntando com as que tenho falado:

esta carne está animal ! ( eu mesma)
você tem a memória da tartaruga do inferno ( Mariana)
este pessoal tá com mania de Jesus ( Fabiano)
boca não tem sexo ( Luis)

tenho que dormir de óculos para enxergar os sonhos ( Thiago)

isto é o cúmulo do absurdo ( um taxista a falar do Brasil)
realmente !

CONTRA NATURUM Carlito Azevedo

1. o melhor amor, contra naturam
ama-se
por isso amo ( carícia em
riste) por isso amas ( não asas,
azagaias): corais no corpo contra
o tédio do amor ( essa mistura de
torpor, gaia inconsciência e
palavras em estado de
ronsard)

2. rosnar, antes:
mandíbulas à mostra
por todo o corpo

3.(tatear num
corpo que se
despe
a nudez que se
crispa)

4.sonar, este, como aliás qualquer deus
não pede menos
do que pavor
não pode menos
que atear chispas

5. em sua mestria:
com pontas de fogo
tatuar água- vivas

18.7.08

mantém a cena
por um credo não tão belo
ao menos
os dentes agredidos
fora de foco

mantém STATUS
com seu all star
sobrevoa toda São Paulo
incrível como
se retalha
a partir de
bordas

quando a vida é ziper enroscado
cante o tralalá de abas,
aquela história
de chapéus

15.7.08

poesia resultante que fiz de um exercício dado em aula pelo Carlito, a junção que escolhi foi Paul Celan com Michel Deguy

não busques nos meus lábios uma porta de palavras
nem diante do portão, um ar de família
nem na pausa o calibre das cores


sete noites mais alto, dobra-se a corrente de ares
para vermelho
sete corações mais fundos, bate o ritmo
uma frase de língua
sete rosas mais tarde, rumoreja o tempo
de uma palavra nua

O sonho do escritor Michael Palmer

Sem título
e à noite
uma caneta idêntica
a tantas outras canetas

e sem título à noite
um "sonho dentro de um filme
chamado A Cidade Petrificada"
você, nele, imaginando

erradamente
mais luz
Mais tarde isso poderia ser chamado de
" O Sonho do Escritor"

porque não teve palavras
só certas
distâncias para servir
no lugar de um título

10.7.08

O homem público n1 Ana Cristina César

Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda.

7.7.08

PEDRAS VENTOSAS

Nasci nas Pedras Ventosas Entre cadáveres e lanças Cresci entre inimigos Casei com putas e santas Sou este Porto de Rocha Este Cálice do Douro Sou o Sal da Distância O Tesão é o meu Tesouro Sou um Barco naufraGado Sou um Rastro de |Avião Tenho o canto MagGOAdo De quem muito se entregou Nasci com fomes e pestes piRatas ConspiraDores Limpei pratas e retretes e corri com Meus Senhores Estou aqui a ver o Mundo Entre a Barra e o BarrOco

A ver se parto ou se fico

Entre a AVEntura e o Desgosto



César Príncipe
Chovem pais e filhos sobre os campos,
Terrenos de árvores húmidas, outono.
Os pais tentam sempre proteger os filhos,
essa é a natureza que corre nas árvores,
essa é a lei e esse é o sentido. É outono
e não poderia ser outra estação, começou
O frio e a fome, olho a força dos campos
pela janela submersa deste último outono
e compreendo por fim a minha idade:
chovem pais e filhos de mãos dadas.
Lá longe, sou pai. Lá longe, sou filho.



José Luis Peixoto, em Gaveta de Papéis

Braille Nuno Judice

Leio o amor no livro
da tua pele; demoro-me em cada
sílaba, no sulco macio
das vogais, num breve obstáculo
de consoantes, em que os meus dedos
penetram, até chegarem
ao fundo dos sentidos. Desfolho
as páginas que o teu desejo me abre, ouvindo o murmúrio de um roçar
de palavras que se
juntam, como corpos, no abraço de cada frase. E chego ao fim
para voltar ao princípio, decorando
o que já sei, e é sempre novo
quando o leio na tua pele


Nuno Júdice, em Geometria Variável

6.7.08

GRAVE Dani Storto

Quase sempre, antes de dormir, me acontece o seguinte:

deito, e
sobre mim
deita
a gravidade.

Suspiro
cada partícula de ar que não respirei.

Se durante o longo dia ri,
é com sarcasmo que o escuto então.
Se séria estive,
esmagam-me as dobras do cenho.

Folha por folha até a capa,
percorro e fecho,
em camadas,
meus olhos.

É com alívio que deixo ser
para amanhã.
E custo a escutar o acorde.

Unsicherheit Mayra Thorley

1.
o pulso solto em curso
o peito retido em sanha
essa metade que inspira
essa outra que degola
nesse quarto NÃO mais vazio
as chaves são pássaros
que as vezes formam ninhos
outras vezes voam distante

2.
e não importa se as paginas já estão amarelas
e não importa se os meus dentes estão fracos
vou devolver para o meu dia
o que não tem vez, o que não ACONTECE
morta de medo, tremendo de frio
as mãos gesticulam
e pensam que vão falar

2.7.08

gestos são significados

compressão metódica , Mayra Thorley

instiga nas costas
um frio cânfora
adulterado
transtorna
o ensaio do corpo
que precisa de descanso
e ser um outro corpo
o acido lático já
conhece os meus ombros
cada centímetro ordinário
da nuca (seu zelo e vulgaridade)
toda simetria côncava
se dilata
se entrega
os olhos se fecham
míopes
olham para o chão
em profunda condição
de soberba

na palma da mão
não há regras
só alento

Quinteto no Pan