Som na caixa

30.12.08

diferenças entre narração oral cênica e o teatro

Queridos, achei este texto belíssimo.




a arte de narrar oralmente é uma arte cênica.


1- O teatro não é realidade colocada diante do espelho e sim realidade recriada dentro do espelho.
A narração oral cênica é a realidade fora do espelho, um momento de verdade do narrador com seu público.

2- O teatro renasce a cada vez que uma determinada montagem volta a adquirir vida na cena.
A narração oral cênica é a irrepetível narração do que é narrado.

3- A improvisação é uma possibilidade do teatro. No teatro, a reinvenção costuma existir apenas pela via da improvisação.
A reivenção é a essência mesam da arte de narrar, inseparável deste ato. A improvisação é uma das formas supremas da oralidade, diretamente vinculada à invenção.

4- O ator costuma caracterizar personagens e construir fisicamente as imagens essenciais.
O narrador oral cênico é sempre o próprio narrador e sugere todos os personagens do conto e as imagens.

5- O teatro em geral convoca o público como espectador.
O narrador oral cênico convoca o público copmo interlocutor.

6- O espaço e o tempo do ator são os da obra e por tal não necessariamente os do público.
O narrador oral cênico compartilha com o público o mesmo espaço e tempo: o da criação conjunta da história.

7- O teatro é ação.
A narração oral cênica é sugestão.

8- O teatro é representação.
A narração oral cênica é apresentação.


El arte escenico de contar cuentos, de Francisco Garzon Céspedes

27.12.08

Sabemos que existe nas crianças pequenas um estágio de desenvolvimento em que elas pensam muito concretamente. Se dissermos às crianças: " Está chovendo e nevando elefantes lá fora", elas correm à janela para ver os elefantes. Mas , na época em que essas mesmas crianças tiverem oito e nove anos, elas saberão que quando as pessoas usam tais metáforas não estão necessariamente expressando uma realidade concreta. A criança aprendeu que as imagens são muitas vezes usadas para descrever a essência de uma idéia, que são uma espécie de símbolo imaginativo. Então ela talvez não corra mais à janela esperando ver elefantes, mas chuva ou neve. Contudo, ela não perdeu a imagem dos elefantes caindo do céu; só que agora isso foi traduzido para um maravilhosa linguagem simbólica.


..........


È improvável que um país em guerra publique ou encene quaisquer histórias do grupo cultural adversário. Será que podemos, nas guerras atuais, imaginar um povo fazendo a leitura de poemas de outro? As artes são mais poderosas do que a política. Imensamente poderosas. Pelo amor de Deus , por que alguém iria querer usar o recurso de banir contos de fadas ou música ou poema? Por que nada na cultura "inimiga" deve influenciar a cultura nacional? Não, mais do que isso, o ouvinte poderia se apaixonar pelo "inimigo", porque ouvir histórias e poemas e a beleza de outros nos comove, nos une, faz o amor florescer poer cima e em torno de todas as barreiras artificiais.
MAS, COMO EM OUTROS MILAGRES DO AMOR SOB COERÇÃO, QUE DESAFIAM AS MAQUINAÇÕES DA GUERRA E DOS ATOS DE VIOLÊNCIA, SOMENTE OS CONTOS IMPRESSOS EM LIVROS PODEM SER BANIDOS. O ESPÍRITO IMPETUOSO DA TRADIÇÃO ORAL TRANSPÕE E TRANSGRIDE QUALQUER CERCA DE ARAME FARPADO. Vários dos meus familiares mais idosos foram internados em campos de trabalhos forçados no Leste Europeu na década de 1940. Ali, a linguagem comum aos prisioneiros eram as histórias, canções e rezas. Fossem belgas, franceses, eslavos, russos,ciganos, católicos , judeus ou de outras nacionalidades do Leste Europeu, ele narravamn contos de fadas uns aos outros. Compreendiam as histórias pela animação,pelos gestos, pelo tom de voz, pelos símbolos desenhados nas palmas das mãos. Podiam contar histórias, cantar e murmurar orações semeando reciprocamente esperança em seus corações. Mesmo a devastação mais desumana não conseguiu estancar o fluxo de histórias que os alimentava.
Portanto, alguns dos contos em nossa família são certamente influenciados em suas nuances pelo turco com quem meu tio dividia uma enxerga -como ele dizia- " no inverno mais frio, mais enregelante que o mundo já conheceu em pleno verão". Eles gesticulavam muitas histórias sobre comida, porque estavam famintos. Tinham histórias sobre laranjas dançarinas e maçãs falantes, e todo tipo de coisa que preocupava grandemente aqueles que se vivem ao mesmo tempo atormentados e famintos. Desse modo, uma história é positivamente uma bênção que tem lugar no deserto.



Clarissa Pinkola Estés, em Contos dos irmãos Grimm

23.12.08

Pedro Páramo, trecho

- O que quer que eu faça com você, Dorotea? Seja seu próprio juiz. Veja se consegue se perdoar.
- Eu não padre. Mas o senhor, sim, pode. Por isso vim.
- Quantas vezes você veio até aqui me pedir que a mandasse para o céu quando você morresse? Queria ver se lá nos céus encontrava seu filho, não é isso, Dorotea? Pois bem: você não pode mais ir para o céu. Que Deus a perdoe.
- Obrigada, padre.
- Está bem. Eu também perdôo você, em nome dele. Pode ir.
- Não vai me deixar nenhuma penitência?
- Você não precisa, Dorotea.
- Obrigada , padre.
- Vá com Deus.
Bateu na janelinha do confessionário com os nós dos dedos para chamar outra daquelas mulheres. E enquanto ouvia o Eu pecador, sua cabeça dobrou-se como se não conseguisse manter-se no alto. Depois veio aquela tontura, aquela confusão, o ir-se diluindo como em água espessa, e o corrupiar das luzes; a luz inteira do dia que se desmanchava fazendo-se cacos; e aquele sabor de sangue na língua. O Eu pecador ouvia-se mais forte, repetido, e depois terminava: " pelos séculos dos séculos, amém"; " pelos séculos dos séculos ,amém"; "pelos séculos..."
- Agora, calada- disse. -Há quanto tempo você não se confessa?
- Dois dias, padre.
Lá estava ela de novo. Como se a desventura o rodeasse.
" O que você está fazendo aqui?" disse a si mesmo. " Descanse. Vá descansar. Você está muito cansado."
Levantou-se do confessionário e foi direto para a sacristia. Sem virar a cabeça disse para aquelas pessoas que estavam esperando por ele:
- Quem se sentir sem pecado pode comungar amanhã.
Atrás dele, ouviu-se apenas um murmúrio


do livro Pedro Páramo, de Juan Rulfo

22.12.08

verniz & cor

2 em 1
super glitter longa duração
com nutri-complexo
dentro do prazo
Vamos tacar acetona
Apesar de a cor cair
bem
ela é uma espécie
de sonho que não se acaba
Não poder se desvencilhar
trombar com uma cor
desgasta
Pode ser implicância
porque não se pintou aos 17
mas
o alívio que dá
ver a cor não cor
da unha
Escolhe a
cor certa que não vou mudar

Foi o que ela disse
Uma grosseria
que marca qualquer dedo
e dá vontade de se afogar
nessa acetona Musa
para pés e mãos
Realmente é uma solução
Causa alguns danos
desesperos
o cheiro, não derrubar
Tem gente que
faz por
prazer
eu faço por esforço
Gosto de outras coisas:
pé na terra
e toda minha infância

20.12.08

Entre arrumações, estados de ânimo, procura por presentes perdidos, Juan Rulfo inicia a fase eu leio romances. Acho que não foi Juan Rulfo. Entro a feirinha do Largo do Machado, caldo de cana e talvez nenhuma consistência entre o detestável e o e assim se vai. Deliciosamente bem comigo.
Duas noites atrás dormi às 5 da manhã ouvindo funk, à força. Tudo quanto é tipo de funk, ou seja, sempre a mesma batida e sempre a mesma letra. No morro o gosto é diversificado: pagode à tarde, funk à noite.Começo a entender os galos.
Não gosto de ler ouvindo música mas me salvo do Morro Azul com meu ipod. Com Yamandu ou Charles Mingus em While I play I´m not real ,para ser justa, Myself when I´m real.
Ouço Raul de Souza ao trombone ( this is a real man ) danço pela casa, puxo a cama.
Não puxa o móvel senão o fio faz mais barulho. Nunca sei se devo deixar na estante os objetos pessoais ou os papéis .
Consigo a carteira de vacinação da Sahyja, mastigo o presente de meu melhor amigo, improviso com um CD.
Na papelaria um tubo de plástico para colocar arcos. Procurei por ele em várias ocasiões. Esses têm ajuste, e alças, o que é importante . Usam para carregar varas de pescar.
Penso o que escrevo no caderno que ganhei de Luis Cuevas. Penso, mas não escrevo:
Como eu deveria deixar o cello no chão? Não fica mal a tábua de passar na cozinha.
Os arcos estão prontos e toda aquela coisa de elevador é um monte de bobagem que um dia dá-se um jeito.

17.12.08

Walter Gam

Variações de um movimento íntimo é o primeiro livro de Walter Gam,
poeta por quem tem crescido minha admiração, quanto mais conheço seu trabalho.
Todo o livro é construído por delicadeza, bom gosto, refinamento, pensamentos poéticos de uma beleza ímpar.Um móbile de material rarefeito.

O livro foi publicado em 2003, pela Lemos Editorial.

Em um poema temos as palavras : fria, leve, mudar de posição ,espaço, amplo , penumbra. Walter trabalha com vários sentidos e movimentos ao mesmo tempo, e isto continua em seus próximos poemas. De lá para cá, a poesia de Gam vem tomando outras formas, porque têm ganhado acréscimos.

a planície carrega a transição

Carregar é uma palavra que sugere em nós leitores, uma sensação de esforço, peso. Uma ação que lida com uma carga. Transição é uma palavra que a cada um gera possibilidades distintas.
Eu vejo a planície como algo mais maciço, terra,algo fixo enquanto a transição para mim pode ter a ver com pensamento, leveza, algo bem menor e que se desloca a todo momento. Ou algo que toma a tela toda, de outra espécie.
Não fosse apenas isso a imagem é belíssima.

Quinas arredondadas, sobreposição, tomadas, moldável,descolorido ,desintegrar, frequência, dosagem, captura, bordas, deslizando são palavras que escolhe a dedo, para tornar nossos sentidos mais depurados. Walter têm acesso a estes materiais, por ser artista plástico , e não só por ser artista plástico.
Em sua poesia eu de alguma forma me desloco enquanto estou segura num fio tênue.
È uma poesia entrecortada em que há ligações entre as partes. Pensamentos do poeta se misturam muito bem a toda esta rede intercalada de vivências pessoais e transferíveis. E bom gosto, sempre.



Reproduzo seu poema editado na revista modo de usar&co.




PONTAPÈ

pontapé
as listras a pose

quinas arredondadas
nostalgia ou quando
estou farto
de chamar pelo telefone
a planície
carrega a transição o panorama
a cabeça inclinada a vegetação que te cobre a
cartilagem moldável da orelha a
retrospectiva

para mim uma edição limitada
submersa
essa época tem a
inclinação de torre no telhado
o recado que deixou
dizia dos bichos infláveis do sofá
sua fala para conter a
agressividade

fica tudo meio ermo

a proximidade com o inimigo
sobreposição de
ventilador flyers na mão dor muscular o
ponto cego da retina

acompanhado pelo horizonte

retrato para
em duas tomadas

sair de cartaz
adia antes de desmoronar
um ciao
é 1987, digo



http://www.germinaliteratura.com.br/walter_gam.htm
asescolhasafectivas.blogspot.com
http://vimeo.com/2380438

15.12.08

Eu lhe entregaria este ou um poema, apenas porque me inspirei nos dedos que ele lambia delicado e deliciosamente e porque preferi me sentar ao seu lado, entre bancos vazios, e só porque respondeu ao meu pedido de licença com movimentos sutis, e só porque suas pernas eram agradavelmente bonitas. E então quatro ou vários pensamentos " faço assim" , ou "ele pensa".
Ele olhava as horas de quando em quando. Quando o vagão chegou por talvez um minuto decidimos qual a porta para cada qual. Decidimos uma porta de diferença.
Pensei lhe entregar estes papéis no Flamengo ou se estivéssemos no mesmo vagão.
Quis o metrô que isto fosse uma percepção, e que agora eu ande, sacolas e medo, acompanhada por suas pernas.

dvorak




Ouço pela primeira vez a violoncelista Natália Gutman. A interpretação que ela faz do concerto para violoncelo de A. Dvorak( peça que estou estudando) me traz vida e vontade. Natália quebra a consagrada interpretação de um dos maiores cellistas que já existiu, Mstilav Rostropovich. Depois dele, todos se rendem. Natália faz uma interpretação totalmente nova,com frases entrecortadas e híper musicais. Cria climas onde jamais vi. Surpreende no que já estava admitido como certo. Ouvi rock, no meio do concerto.

Estudar cello é a única forma que encontro no dia de hoje para conviver comigo mesma.

As últimas coisas que tenho descoberto são: velocidade do vibrato e amplitude.
A imagem que faço é de algo que nitidamente cai, balança o mais rápido possível, e intensamente.
Descubro que para ser mais rápida tenho que mexer muito pouco o dedo.
Trabalhar em quintinas, e septinas, como ensinou o Thibault, em relação à articulação, também serve para o vibrato.
Aproveito a semana sem minha filha, de férias e sem uma de minhas melhores amigas, que amo, para estudar , entrar em contato com aquilo que mata minha sede, admitir: gosto sim de violoncelo.
Passo as tardes vendo talão, ponta, definindo distribuição do arco de acordo com o que quero mostrar, fazendo puzzles quanto ao arranjo da mão esquerda, tentando demonstrar a diferença entre um acento e um sforzando.

11.12.08

9.12.08

unha

Faço a unha da mão, pela manhã. Como não estou acostumada.
Ponho vermelho.
Porque estou começando a aprender violão, deixo as unhas crescerem.
Poderia cortar as unhas da mão esquerda, mas deixo , para o caso de eu precisar roer alguma, como era costume.
O formato muda
Desfilo minhas mãos com o anel de origami.
Escrevo uma poesia , mas não sobre isto.Penso que gostaria de escrever uma poesia sobre isto.
Recebo dois vídeos lindíssimos de Walter Gam.
Volto a tentar Perloff.
Nada disto tira a saudade que hoje sinto de meu pai.
Quando eu tinha uns 17 anos, achava o máximo o tamborilar dos dedos na carteira e o barulho das unhas batendo na madeira, a partir daí.
Quando olho o óculos vermelho, o anel de flor vermelha e as unhas vermelhas, acho fácil criar uma composição a partir do mínimo.
Isto me atrai, de início.

4.12.08

Quarta -feira, último dia de aula com Carlito, na Estação das Letras. Último dia, este semestre. Nota-se: vários alunos( uns 5 ) ao sair da porta já pararam na secretaria para se inscrever no próximo semestre.
Separo o que escrevo em antes e pós oficina Carlito.
Mesmo que ele não goste desta exposição, ele sabe que faz um trabalho muito interessante conosco, imagino.
Hoje a aula foi insuperável, o debate foi riquíssimo. Poesia e o conceito do que é poesia, o que é o eu na poesia, poesia dentro do momento em que vivemos, a busca de uma voz poética ou o contrário, perder a voz; identidade do poeta, processo de escrita, publicação.
Ele disse: acho que não gostamos de poesia, gostamos do que é exceção na poesia.
O Carlito é um excelente professor, primeiro porque conhece muito, e é inteligentíssimo. Segundo por causa deste humor delicioso.
Ele tem uma qualidade que se chama abertura e outro, incentivo.
È crítico, mas não poda o ato criativo nos alunos. Faz com que tenhamos olhar crítico, e nos deixa livres para buscar.
Eu passei duas semanas para responder o questionário que ele nos deu.
Agradeço imensamente a disposição dele em nos ajudar.
Coloco aqui a minha resposta à pergunta 6

Acho que na minha poesia o eu é o agregador do que vem de fora, é mexido por estas coisas que o deslocam, des-situam-no quanto à contextos. Para mim é muito difícil escrever sem estar à mercê do que desloco, mas acho que ganharia se não o evidenciasse, e deixasse a imaginação correr por outros campos, uma vez que aprender e experimentar são desejos inerentes à minha busca poética e vivencial. O eu na minha poesia é imperador, e é muito difícil sair dele porque as coisas me tocam diretamente, talvez esta a alavanca que eu esteja usando. Seria interessante eu conseguir falar do que sinto incluindo isto numa paisagem que não eu como pessoa.
O eu tem sido o condutor, o efeito colateral conhecido, enquanto o desconhecido tem sido uma paquera, ainda. por enquanto:
o eu é uma pisada no acelerador sem tempo para voltar atrás
o eu é o famigerado que não dá tempo para eu me divertir
o eu é o superbonder que fica na mão
o eu na minha poesia é o inimigo, no mal sentido

3.12.08

Noite deliciosa com a Deinha. Primeiro fomos assistir Gabriel Grossi( gaita) e Raul de Souza( trombone) improviso direto, as composições do Gabriel estão lindas.E o baterista Serginho Machado é bom demais.
Depois, fomos ao Bipbop, mas antes comemos a coxinha de camarão, do Caranguejo, no caminho. Lá no samba do Bip, só musica boa.
Faz bem demais à alma esta injeção de música boa na minha veia.
E dá-lhe Premium.
Agora em casa, só mas não abandonada ( isto jamais) penso num chameguinho bom, de alguém que ainda não surgiu. Às vezes a nossa imaginação pinta o quadro bem melhor do que ele é. Então, estou aqui eu e meu gatinho, numa boa, no maior papo musical, poético
rsrs.
O bom disso é que imagino exatamente o que quero.
Não deixo de chamar a isto felicidade