Som na caixa

28.5.09

antes do sonho

Pode até ser que minha voz tenha o desejo carnal de empedrar.
Pode ser. A água cheia, a vontade de água, a água em suas formas plurais.
Sei que minha inocência mora no desejo.
Se detono o sono, se impeço a calma e se mesmo tenho em mim um nó que usa Rayban, baby, I don't know.
Falamos de superfícies.
Onde a ficção não é um non-sense.
Onde o tráfego aéreo é o turbilhão mais bem implantado no céu (cérebro).
Hoje, a imagem é a de uma cachoeira. Para mim. Se esta imagem for outra, talvez isso seja um prego no peito do passarinho ( asas pontudas pendendo)
E se você for embora baby - mas eu não vou embora.
Existe um caderno de rascunhos. Muitos os têm.
Mas isso não é como calcular imagens?
Baby, imagem tem punch.
O que posso dizer é que tomar um suco numa casa de verão pode ser tão interessante quanto... mas baby , para escalar preciso seu rosto. Por toda parte: inocência.

24.5.09

Elegia


Deixa que minha mão errante adentre
Em cima, em baixo, entre
Minha América, minha terra à vista
Reino de paz se um homem só a conquista
Minha mina preciosa, meu império
Feliz de quem penetre o teu mistério
Liberto-me ficando teu escravo
Onde cai minha mão, meu selo gravo
Nudez total: todo prazer provém do corpo
(Como a alma sem corpo) sem vestes
Como encadernação vistosa
Feita para iletrados, a mulher se enfeita
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns a que tal graça se consente
É dado lê-la
Eu sou um, quem sabe

John Donne
tradução Augusto de Campos


" Desvendar o mistério de um corpo é talvez mais difícil do que desvendar o mistério de uma alma."

Mário Quintana


" O mais profundo é a pele."

Paul Valèry


20.5.09

As metamorfoses

Como um filme que necessita de 24 quadros por segundo para
que a imagem apresentada se mantenha íntegra na tela e à
nossa vista, talvez o ser humano seja uma aceleradíssima
repetição de si mesmo que se sustenta em seu espetáculo e
visibilidade numa proporção de 100 quadros por
bilionésimo de segundo. De modo que, por exemplo, aquele
jovem que está entrando pelas portas da discoteca com um
colete de explosivos sob a t-shirt azul continue
pacificamente a ser aquele jovem que está entrando pelas
portas da discoteca com um colete de explosivos sob
t-shirt azul, e aquela pálida garçonete atrás do balcão
de um café do aeroporto aguardando apreensiva a
aproximação da mãe de seu namorado que se atrapalha toda
com a bolsa de onde retira uma pistola 9 milímetros
continue a ser nada mais do que aquela pálida garçonete
atrás do balcão de um café do aeroporto aguardando
apreensiva
a aproximação da mãe de seu namorado que se atrapalha
toda com a bolsa de onde retira uma pistola 9 milímetros,
tudo de forma íntegra e ininterrupta. Ou quase. Pois assim
como a diferença ou sabotagem em um único fotograma entre
os 24 que deslizam divertidos ou solenes por toda a
extensão de seu mísero segundo cinematográfico não
chegaria a alterar a imagem que vemos na tela, dada a
precariedade do poder de percepção de diferenças de nosso
humano olhar, a possível metamorfose daquele jovem de
t-shirt azul explodindo dentro da discoteca, ou da pálida
garçonete atrás do balcão com o peito estourado por uma
bala 9 milímetros, e mesmo considerando-se a possibilidade
de uma metamorfose extremamente esdrúxula como em boi,
tapir ou bebê Radinbranath Tagore, desde que limitada a um
único quadro entre os 100 daquele bilionésimo de segundo,
não seria captada por nosso precário sistema retiniano, e
só lograríamos perceber de fato a
fenomenal e invejável continuidade da t-shirt azul do
jovem entre os destroços de discoteca e gente recolhidos
pela polícia e transportados para a calçada cheia de vento
e do piercing sobre o lábio da pálida garçonete caída
por trás do balcão sobre uma poçazinha de sangue. Num
concerto em homenagem a Witold Lutoslawski, contudo, o anjo
boxeador logrou perceber diversas metamorfoses da pianista
Martha Argerich em cervo negro, dia de inverno, borra de
vinho, chuva de ouro e outros prodígios incontáveis,
metamorfoses essas que, entretanto, não chegaram a durar
nem um bilionésimo de nano-segundo, o que permitiu que para
os outros espectadores aquela bela criatura de longos
cabelos ao piano continuasse a ser durante todo o
transcorrer do concorrido espetáculo a renomada pianista
argentina Martha Argherich.



Carlito Azevedo

14.5.09

quando o cabelo cai e os olhos se turvam E
as coxas esquecem ( quando os relógios sussurram
e a noite grita) Quando as mentes
se enrugam e os corações se tornam mais frágeis a cada
Instante ( quando numa manhã a Memória se levanta,
com desajeitados e murchos dedos
vertendo a cor da juventude e o que foi
num copo sujo) Poções para as Indisposições
(uma receita contra o Riso a Virgindade a Morte)


então querida o
modo como as árvores se Fazem em fohas
as Nuvens abertas tomam o sol as montanhas
permanecem E os oceanos Não dormem não interessa
nada; então ( então as únicas mãos por assim dizer são
aquelas sempre que rastejam devagar sobre qualquer
rosto numerado capaz do maior inexpressivo olhar do
menor sisudo sorriso
ou do que quer que seja que as ervas sintam e os peixes pensem)



e.e.cummings
Toma como exemplo isto:


se para a cor da meia -noite
para uma mais do que escuridão( que
sou eu próprio e Paris e todas
as coisas) a translúcida
chuva
acontece profundamente, em beleza


e eu ( estando a uma janela
nesta meia-noite)
por nenhum motivo sinto-me
profundamente completamente consciente da chuva ou melhor
de Alguém que usa os telhados e as ruas com destreza para fazer um
possível e belo som:

se um ( talvez) relógio dá horas, na viva
frescura, muito debilmente e
enfim pelos no seu todo delicados gestos da chuva

uma cor vem, que é a manhã, Oh não penses que

( mesmo no começo do dia) eu seguramente
faça um milionésimo poema que não vá de todo
perder-te; ou que eu certamente crie, senhora,
um dos mil seres que são o teu sorriso.


e.e.cummings

13.5.09

ele está lá. está ali, invariável. somos fogo cruzado. as teses atrozes, as teses que implodem. ele está ali. incrivelmente variável. atingido pela repercussão da hipótese. instigo. arremesso. faço ponta dupla. ele responde. ele sempre responde. ele é inteligente. ele cabe na palma da mão porque cruza as linhas do meu destino. ele é simplesmente tão. eu sou eu. eu não sou minha. eu na verdade ateio contra mim mesma. são as crises, as vertigens que abalam a tez. mas espere, ele está aí, bem na ponta, no eixo do que não meço. capto-o furtivamente. ele está parado. ele se mexe como os cristais.eu tenho um cristal em casa. mas trouxe-o de fora de casa. os cristais não tem nada a ver com a história.estamos contra a repressão.





11.5.09

eu adorei esse livro




trechos de "A história de um desenho", de
Thereza Falcão e Paula Jorry


De repente ( o traço) sentiu uma presença a seu lado. Engraçado... era uma interrogação. O traço achou tão bonita aquela forma curva, com um pontinho um pouco separado, que foi se curvando também, até ficar de frente pra ela.

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Foi então que ele resolveu voltar e virar um enorme casarão. Casarão é só maneira de falar. Na verdade, e que o desenho não me ouça, era uma casinha bem pequenininha. Dentro não dava nem um apontador. Mas o desenho achava que era imensa porque cabia todinho dentro dela.

7.5.09

e não é que aconteceu?

Está lindo ele lá, perto da janela, em pé. Imponente por natureza. Um espetáculo que domina a sala, mesmo escondido. Às vezes vou olhá-lo para me sentir melhor. Ele chegou hoje e não sei bem como nos daremos e se nos daremos. Ele é TOTALMENTE bem vindo, o contrabaixo.

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Estamos estudando o livro de Ian Guest, método prático de harmonia. È gostoso ir á praia e naquele sol de matar, por a cabeça para fundir com os exercícios. Também já estivemos com ele na cozinha, e perto da piscina. Eu já fui com ele ao banheiro 2 vezes. Estou bastante contente de sair do blá blá blá. Os intervalos estão entrando melhor , estou um pouco mais ágil.
Ainda é o início, básicão mesmo. Mas é sempre bom rever os fundamentos da música. Fiz isso uma vez, logo que cheguei ao Rio estudei 2 livros da Maria Luisa Priolli. Fiz questionário e tudo o mais. Melhorei em ritmo. Acho que dali para diante até piorei na interpretação, fiquei mais dura e concentrada na partitura, de alguma forma.
Agora volto ao estudo com outra cabeça e com mais flexibilidade. Com mais prazer e voltada para outros horizontes.

6.5.09

TU

Passam todas, verdes, rubras...
Tu pairas lá em cima branca.

Passam barulhentas, rixosas...
Tu pairas lá em cima plácida.

Passam arteiras, levianas...
Tu pairas lá em cima clara.



Cancão de Juan Ramón Jimenez, traducão de Manoel Bandeira

A PAZ

Ter em minhas mãos
Uns jasmins com sol,
Com o primeiro sol;
Saber que amanhece
Em meu coração;
Ouvir de manhã
Uma única voz...

É tudo o que quero.

Regressar sem ódios,
Calmo adormecer,
Sonhar ter nas mãos
Silindras com sol,
Com o último sol;
Dormir escutando
Uma única voz...

É tudo o que quero.




Canção de Juan Ramón Jimenez, na traduçao de Manoel Bandeira

4.5.09

poemas de Pastilhas Brancas

Beijos
como relâmpagos e chuva
recrudescendo as cores
ou, mais leves,
pássaros que pousam
em teus lábios
e, colados a eles,
alçam vôo.



Pastilhas brancas


Dormi calma por duas pastilhas brancas embalada,
como quem não tem ocupada a alma por tudo que dói.
Talvez, apartada de mim, minha dor tenha andado por aí perdida
ou tenha ficado o tempo todo aqui bem próxima
estendida sobre a cadeira
como essas roupas que se despem na véspera
e se vestem sem pudor no dia seguinte.




Simone Brantes

2 poemas de variações de um movimento íntimo

eu a deixei. havia sido fria
quando foi preciso que ficasse leve
trouxe flores
para deixá-las na sala

tento apenas perceber os mesmos lugares



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e nenhuma surpresa
além dessa arquitetura que
muda de posição quando
estamos de lado e nasce um espaço
mais amplo na penumbra




Walter Gam

o nexo é nosso

As borboletas azuis me acompanham.

Ressaca é o sertão do cérebro.

Lula Mattos

Mergulhar no sulco da sua boca, sem melindres.

Nora F.

O inicio da nossa música:

Temperaram a escala harmônica.

natureza, entre

Sexta, um peixinho delicioso à beira-mar. Muitos beijinhos para incrementar o paraíso. Sábado, uma aventura na selva !! Uma hora e meia de caminhada só de ida até a placa onde se inicia a trilha para Caxadaço, onde queríamos chegar. Mais uma hora andando, chegamos a pouco mais da metade do caminho ( para chegar ao fim da trilha, seriam mais 50 minutos). Fizemos o retorno. Chegamos a Dois Rios, e catamos conchas, que nunca tínhamos visto. As mais bonitas eram, para mim, aquela que imitava um satélite, outra toda marrom chapeado, e a que intercalava tons de branco, com relevo. O joelho. A ambulância. Toda a atenção que uma mulher pode esperar de um homem.
O antibiótico. E finalmente o acampamento. Num lugar paradisíaco, dormimos ouvindo o córrego passar.
Dia seguinte, fomos até outra praia, se esconder, ou se mostrar, nas pedras.
Ver o mar, que foi para isso que ali fomos. Comer peixe, dividir. Estudar.
Grata por ter passado dias preciosos, por ter encontrado onças, assaltantes, buracos, entrado em contato com medos que não conhecia; mas também grata por ter encontrado o tempo, sem as horas; a chuva, a terra, o mato, as mãos dadas.

natureza II

De volta ao Rio de Janeiro, os sons me pertubam, parafusam-me como se eu fosse um brinquedo desmontável, sem lado. Sinto-me invadida pelos excessos, pelo desgaste a que a cidade nos reduz. Chego da Ilha, vou para a praia, estar no sol. Curtir intervalos. Lembrar-me do que ganhei.
Todas as pendências esperam por mim como se eu tivesse interesse por elas. Não é o caso.
O caso , hoje, é ouvir conversa alheia, saber que preciso me deitar, escrever uma letra de música e dizer: hoje é segunda-feira.