Som na caixa

22.12.09

A Lua
Roseana Murray

A lua pinta a rua de prata
e na mata a lua parece
um biscoito de nata.

Quem será que esqueceu
a lua acesa no céu?

21.12.09

  há uma  confusão entre os acontecimentos da tarde, o pequeno monstro desenhado pelos colegas de minha filha e a minha garganta raspada.

aniversário

                                                                                    para Lula


 que nosso dia tenha
 tido um jardim
 e você dava estrelas
 para crianças pequenas
 que  já te chamavam  de  professor
 e seu corpo ( neón
  com sua rapidez)
 frente aos casacos
 em minha mão e
 uma bola vermelha  imensa correndo
 no jardim.

Sábado

 No palco, durante a ópera, muita dor a ponto de sair pelas escadas lateriais . Tosse, sua.
 No banheiro, entre nervoso e choro, sem ter a chave, pega o telefone,  com a garganta detonada , retrata   a cena que acabou de formar. Sentado, acudido pelos assessores que passam em sua nuca um papel toalha, sem água,  pondo em atrito sua pele. Acalme-se, diziam. Entre o  choro e a garganta, ouvia. Estava nervoso de sair do palco em cena. Em casa, medicado por si .

15.12.09

terça feira

 De dia:
 Minhas escápulas convertidas em cabides. Caminho pelo Passeio. Porque não são idéias, são escapes da memória. Vitoriosa de que chegarei a tempo para o ensaio.


  De noite:
    Estou aqui há um bom tempo. Não necessariamente bom.Estou aqui e em São Paulo, lembrando o Reveillon com trabalho pesado e meu  namorado se abstendo dos fogos. Tão cruel o dinheiro, podando o amor. São 1400 pilas pela noite de roupa branca. Você vai ver, pagar o aluguel, quer melhor  virada de ano? HA!   Na mochila, o creme de leite  do strudell , a poesia do Modo. Gosto mais de tocar a missa do que a ópera do anão. Tusso, acordarei às 6. Nada muda esta rotina. Talvez mais ou menos pressa . Penso em Ricardo. Sinto minha cabeça pesada, uma saudade do tamanho da  China. Este cheiro que me acompanha, que me envergonha. Perto do chefe me calo, sem ninho. Ía falar de poesia? HA





14.12.09

O QUE SERÁ QUE SERÁ ESCREVER PARA Curso com Ramiro Osório





Aqui mesmo, na Estação das Letras, em Janeiro e Fevereiro de 2009, assumi uma série de encontros sob o tema:
"O QUE SERÁ QUE SERÁ ESCREVER PARA CRIANÇA?" Daí a perguntarmos-nos:
"O QUE SERÁ QUE SERÁ ESCREVER PARA ADULTO? foi um passinho de dança.
Em 2010, a dança vai pois continuar, através de uma expedição mais aventurosa, tanto assim que não pode fazer parte da sua essência pré-estabelecer-lhe um itinerário.  Seria o mesmo que pretender definir previamente o sumário das sessões de uma psicanálise ou o índice de um sonho.( "O que será o amanhã? responda quem souber.")
Nem curso nem discurso.  Quando muito:  "Fragmentos de um discurso literário", que não existiu, não existe, nem existirá inteiro. 
Palavra puxando palavra. Ideia puxando ideia, saibam desde já que deste rio, do curso deste rio, desta "terceira margem" não sairão doutores em nada. Quando muito: Doutores Nonada. Bem aventurados os bastardos! citando de cor Shakespeare. Pessoa, Rimbaud, Lautréamont nunca na vida foram doutores. Eram doutos. 
Brincar (tal como viver) é uma coisa muito séria. Vivemos numa sociedade terroristicamente pragmática, progromática e practicista. Robotizante. Gostaria que estes encontros correspondessem à hora do recreio, ao domingo da vida pronto-a-viver, às férias do best-sellerismo pronto-a-escrever dos livros que se vendem como sapatos. 
Que tal um "curso" pelo prazer do gesto?
Talvez se saiba melhor o que é escrever quando alguma coisa desaprendemos. 
Precisamente: saber menos pode ser saber mais. Ter mais dúvidas pode ser o caminho. E o caminho é mais importante do que a meta. Metas físicas são do domínio dos Jogos Olímpicos. Nestes nossos jogos não haverá cronómetros, nem medalhas. A nossa matéria é aquela de que são feitos os sonhos. (O Falcão Maltês, acaba citando Shakespeare.) 
Até 9 de Janeiro, pois!








 Ramiro Osório

11.12.09

      O assunto em casa, hoje:
     - Começa com   chocalho?
      -Eu sei como começa . Com triângulo, reco-reco e depois chocalho.
      -Olha só como começa: o piano faz o trem, aí o violoncelo faz o tema e depois inverte.
     - Eu não sei, é difícil tocar isso direito. Sabia que quem está tocando é o tio dela?
      -Eu sei, ela me disse na escola.
      -O tio dela é um dos melhores do mundo.
     - É, ele toca direitinho.
      -Eu nem conhecia esta parte.
      -É o Trenzinho  Divertido.








definição

na página 712
na 1ª coluna
na linha 41
encontrei a minha
pessoa-
constituição mental
 em que se observa a
tendência à  solidão,
devaneio, má adaptação
às realidades
exteriores

5.12.09

homem em casa

É bom ter um  homem em casa.
Quando você mora só
você não quer um homem
em casa.
Homem em casa é, aliás,
detestável.
Mas quando um homem
consegue entrar em casa,
aos poucos
você repara os benefícios.

Em Londres

Foi um bom dia.
O meu amor esteve
especialmente espirituoso.
Encontrei um novo
Baudelaire.
O poeta da porta ao lado contou-me
umas   histórias bem indecentes.
A minha musa me bate uma mensagem
na minha Olivetti:

Pelo menos hoje
escreve um poema com alguma
efervescência.


                                                  Eunice de Souza
♫  = Alt 1550

Um poema de Paulo Henriques Britto

A surpresa  do amor - quando já não se
espera do mundo nada em especial,
e a evidência de que os anos vão se
acumulando sem nenhum sinal
de sentido já não dói nem comove-
quando em matéria de felicidade
não se deseja nada mais que uns nove
metros quadrados de privacidade
para abrigar os prazeres amenos
do sexo fácil e da literatura
difícil- eis que então, sem  mais nem menos,
como quem não quer  nada, suge a cura-
definitiva, radical, imensa -
 do que nem parecia mais doença.

2.12.09

saudade de Marianne Moore

quarta de manhã

          Insegura na aula de harmonia, pelas dificuldades que encontro, pelas facilidades com que os outros  vêem as minhas dificuldades,   ouvindo sobre graus instáveis e estáveis, me sinto o acorde mais instável .
Lembrando   a tese dos opostos se atraírem, ou pensando num  5 grau com sétima, um pouco estável, um pouco instável.

   Em aula, a ótima frase de  Dalton:

" Às vezes não basta a genética, tem que ver a  cultura do acorde. O  cara nasceu no país da dominante, mas foi educado em outra área."



  " O tom é o que menos importa. Tem que ver a relação entre os acordes."

      | Lembro-me  dos nossos pais, e a  diferença entre eles. lembro-me das nossas cidades, do nosso caráter, das nossas rebeldias, como avançam de modo distinto.

 Frases ditas   em contextos  que transfiro  para outros campos. Só para brincar de pensar?
       E assim os que olham meus olhos , dizem que estão perdidos.
        E assim,  as minhas teses ( todos temos as nossas), as confirmações que desabam  , e todo este avacalhado a que chamam  Nora.

1.12.09

18 RUGBY STREET

(...)
E então me dei conta do mistério
Dos seus lábios, que eu nunca vira iguais,
Lábios grossos de aborígene. E do seu nariz,
Largo, apache, quase nariz de boxeador,
Escorpião reverso da águia semítica
Que fazia de toda câmara sua inimiga,
Carcereira da sua vaidade, traidora
Na sua Sonhos Sexuais Ltda.,
Nariz das hordas de Átila: rosto prototípico
Que eu poderia ter visto em meio à fumaça
De uma fogueira navajo. E suas têmporas pequenas
Onde as raízes dos cabelos abundavam, sempre à sombra
Da franja glamourosa que a moda ditava.
E seu queixinho delicado, queixo de Peixes.
Nunca foi um rosto em si. Nunca o mesmo.
Era como o rosto do mar – palco
Para tormentas e correntes, ao sabor de sol e lua.
Jamais foi um rosto, até a manhã final
Em que virou um rosto de criança – a cicatriz
A marca do seu Criador. Porém naquele dia você declamou
Um poema comprido sobre uma pantera negra
Enquanto eu a abraçava e beijava e tentava impedi-la
De esvoaçar pelo quarto. Apesar disso,
Você não quis ficar.

Caminhamos rumo ao sul, atravessando Londres, até
Seu hotel na Fetter Lane. Em frente a ele,
Numa ruína de bombardeio transformada em canteiro de obra
Nos agarramos, tontos, para nos proteger,
E num barril descemos juntos
Um Niágara. Descendo o rugido
Da sua alma, sua cicatriz falou-me –
Como se fosse seu nome secreto, ou sua senha –
Da tentativa de suicídio. E escutei,
Sem cessar por um momento de beijá-la,
Como se uma estrela sóbria sussurrasse
No céu da cidade a rodopiar: mantenha distância.

Estrela covarde. Já não me lembro
Como me contrabandeei, envolto em você,
Para dentro do hotel. Lá estávamos os dois.
Você, esbelta, ágil, lisa como um peixe.
Você era um mundo novo. Meu novo mundo.
Então é isto a América, maravilhei-me.
Belíssima, belíssima América!


                              Ted  Hughes em "Cartas de aniversário",
tradução de Paulo Henriques Britto